De onde vem o “quinto dos infernos”?
Mandar alguém para o “quinto dos infernos” é um dos xingamentos mais populares do português brasileiro. Mas poucos sabem que essa expressão nasceu em meio ao contexto da exploração colonial portuguesa e tem origem direta no modo como o ouro era taxado no Brasil do século XVIII.
Naquela época, Portugal impunha uma série de tributos à colônia brasileira, sendo o mais conhecido deles o “quinto” — ou seja, 20% de todo o ouro extraído deveria ser enviado diretamente à Coroa. Para evitar sonegação, essa fração do ouro era recolhida nas chamadas casas de fundição, locais onde o ouro em pó era transformado em barras marcadas com o selo real, garantindo que a parte devida ao reino estivesse ali.
Uma vez coletado, esse ouro era embarcado em navios rumo a Portugal. Quando as embarcações com os tributos chegavam à Europa, os portugueses anunciavam: “Lá vem a nau do quinto dos infernos”. Nesse contexto, “infernos” era o apelido dado ao Brasil, visto por muitos em Portugal como uma terra distante, quente, selvagem e cheia de perigos. Era para cá que vinham os condenados, degredados e indesejados — os mesmos navios que levavam o ouro traziam os exilados. Assim, nasceu a ideia de que o Brasil era o “quinto dos infernos”.
Uma origem contestada
Embora essa seja a versão mais popular, há quem defenda uma explicação contrária. Alguns estudiosos acreditam que a expressão teria sido criada por brasileiros, como forma de protesto contra a pesada carga tributária vinda da metrópole. Nesse caso, “quinto dos infernos” seria uma crítica direta a Portugal, onde se concentrava o ouro explorado da colônia. Apesar dessa hipótese ter menos aceitação histórica, ela reforça o sentimento de revolta que permeava a população brasileira diante da exploração imposta.
A “derrama” e a revolta colonial
É importante diferenciar o quinto da derrama. Enquanto o primeiro era o imposto regular de 20% sobre o ouro extraído, a derrama era uma medida extrema: uma cobrança forçada dos impostos atrasados, determinada pela Coroa quando as metas de arrecadação não eram atingidas.
A derrama obrigava colonos a pagar o que deviam com seus bens pessoais, muitas vezes levando à ruína famílias inteiras. A medida era tão opressora que se tornou uma das principais causas da Inconfidência Mineira, movimento ocorrido em 1789 e liderado por figuras como Tiradentes, que sonhavam com a independência e o fim da exploração portuguesa.
O “santo do pau oco” e o contrabando
Como reação aos impostos abusivos, muitos mineradores recorriam ao contrabando de ouro. Uma das formas mais engenhosas — e curiosas — era usar imagens religiosas com interior oco, onde o metal precioso era escondido. Foi daí que surgiu outra expressão ainda usada hoje: “santo do pau oco”, em referência a algo ou alguém que parece puro e sagrado por fora, mas esconde intenções ilícitas ou falsas por dentro.
Uma herança linguística da opressão
Expressões como “quinto dos infernos” e “santo do pau oco” não são apenas xingamentos ou ditados curiosos: elas carregam a memória de um período de exploração, desigualdade e luta. Revelam como o povo brasileiro transformou a dor da injustiça em linguagem popular — um grito simbólico contra séculos de abuso.
Hoje, ao mandar alguém para o “quinto dos infernos”, talvez você esteja, sem saber, ecoando a voz de um povo oprimido, que encontrou na criatividade e na resistência uma forma de sobrevivência.
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