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Divaldo Franco: o homem por trás do médium

Mestre da palavra e do coração, espírita baiano deixa história marcada por amor, polêmicas e transformação

14/05/2025 às 08h37
Por: MARCELO NOBRE Fonte: Redação
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Foto Divulgação
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No dia 13 de maio de 2025, o Brasil se despediu de Divaldo Pereira Franco, um dos maiores líderes do espiritismo no mundo, aos 98 anos. Ele faleceu em Salvador, por falência múltipla dos órgãos, deixando uma trajetória espiritual, social e intelectual impossível de ser esquecida. Seu nome tornou-se sinônimo de compaixão, lucidez e serviço.

Natural de Feira de Santana, interior da Bahia, Divaldo nasceu em 5 de maio de 1927. Desde criança, demonstrava sensibilidade incomum. Aos quatro anos, relatou à mãe mensagens espirituais da avó já desencarnada, o que causou espanto à família. Esse episódio foi o prenúncio de uma vida dedicada à mediunidade.

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Na juventude, mergulhado em crises existenciais e em meio ao luto pela perda de 13 irmãos, Divaldo encontrou no espiritismo um alento que o libertaria da dor. Aos 17 anos, teve seu primeiro contato profundo com as ideias de Allan Kardec. Desde então, dedicou-se inteiramente à causa espírita.

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Em 1952, fundou, junto com Nilson de Souza Pereira, a Mansão do Caminho, localizada no bairro Pau da Lima, em Salvador. O local começou como um abrigo para órfãos e, ao longo das décadas, tornou-se um dos maiores complexos de assistência social do Brasil, com creche, escola, centro médico, odontológico e apoio psicológico.

Mais de 40 mil crianças e adolescentes passaram pela Mansão do Caminho. Além da estrutura educacional, o local contava com uma maternidade modelo: o Centro de Parto Normal da Mansão do Caminho. Durante doze anos, a unidade realizou partos humanizados, respeitando o protagonismo da mulher e os direitos do recém-nascido.

O fechamento da maternidade em 2023, após dificuldades de manutenção, foi lamentado por profissionais da saúde e moradores da região, que viam ali um espaço de acolhimento que não se via em outras unidades do sistema público de saúde.

Divaldo também ganhou projeção internacional como palestrante. Realizou conferências em mais de 70 países, levando a doutrina espírita a diversos povos. Sua maneira serena, clara e profunda de falar sobre temas como a reencarnação, o luto, a fé e o amor emocionava plateias.

Foi o primeiro espírita brasileiro a discursar na sede da ONU, em Nova York, em 2005, numa conferência sobre a cultura da paz. Recebeu, ao longo da vida, centenas de homenagens e condecorações, incluindo o título de Embaixador da Paz da ONU e a Comenda da Ordem do Mérito da Bahia.

Seu trabalho como médium resultou em mais de 260 livros psicografados. Os principais autores espirituais atribuídos são Joanna de Ângelis, Manoel Philomeno de Miranda e Bezerra de Menezes. Os livros foram traduzidos para mais de 17 idiomas, e os direitos autorais sempre foram doados às obras sociais.

Hoje, é possível baixar gratuitamente boa parte dessas obras nos sites da Livraria Espírita Alvorada Editora (Leal), no aplicativo Kardec Play e no portal Espiritismo.NET. A acessibilidade ao conteúdo mostra o compromisso de Divaldo com a democratização do conhecimento espiritual.

Apesar de sua respeitabilidade, Divaldo também enfrentou controvérsias. Suas declarações políticas, especialmente durante os anos de forte polarização no Brasil, provocaram reações. Alguns o acusaram de se distanciar da neutralidade religiosa ao comentar sobre temas do cenário nacional.

Ainda assim, manteve-se fiel aos seus princípios. Dizia que não fazia política partidária, mas política da paz. Seus seguidores sempre defenderam que ele se guiava pelo Evangelho e pela consciência, sem interesse em agradar correntes ideológicas.

No plano pessoal, Divaldo era descrito como alguém gentil, bem-humorado e disciplinado. Segundo relatos de amigos íntimos, ele dormia pouco, estudava muito e fazia questão de conhecer pelo nome cada uma das crianças acolhidas pela Mansão. Era comum vê-lo caminhando pelos corredores do centro, dando conselhos e oferecendo abraços.

Ivanna Soutto, uma amiga próxima da família, contou ao Correio que ele “tinha um humor fino, elegante, e uma memória invejável. Lembrava datas, nomes e histórias com clareza impressionante. Sabia tratar os outros com delicadeza e firmeza”.

O médium José Medrado, do Centro Espírita Cidade da Luz, foi um dos primeiros a se pronunciar publicamente sobre a morte de Divaldo. Em nota, afirmou: “Desencarna Divaldo Franco. Certamente, um dos seus últimos haustos de vida deve ter sido a conclusão: missão cumprida. Que siga sob o amparo dos amigos espirituais”.

Divaldo não teve filhos biológicos. Sua missão paternal foi cumprida por meio das milhares de crianças que ajudou a educar e formar. Para ele, a paternidade ia além do sangue: era um compromisso moral com o bem.

Sua partida física marca o fim de uma era no espiritismo brasileiro. Mas seu exemplo permanece vivo nas instituições que fundou, nos livros que psicografou, nas palavras que pronunciou e nas vidas que tocou.

O velório foi realizado na Mansão do Caminho, espaço que ele mesmo ergueu com amor. O sepultamento, no Cemitério Bosque da Paz, reuniu admiradores, médiuns, ex-alunos e amigos. Era o adeus a um homem que viveu o que pregou.

Divaldo costumava dizer: “Não há ninguém tão forte que não precise de ajuda, nem tão fraco que não possa ajudar alguém”. Essa frase resume o espírito de sua missão: uma vida dedicada a aliviar dores, fortalecer esperanças e inspirar transformação.

O espiritismo brasileiro perde seu maior divulgador das últimas décadas. A Bahia perde um de seus filhos mais ilustres. O mundo perde um servidor da luz. Mas o céu, talvez, tenha ganhado de volta um trabalhador incansável.

E como ensinava Joanna de Ângelis, por sua pena: “A morte não é o fim, mas a continuidade da vida em nova dimensão.” Divaldo acreditava nisso com fervor. E partiu acreditando — como sempre — que amar e servir são as duas faces da mesma estrada.

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