A inteligência artificial (IA) está cada vez mais presente na vida de milhões de pessoas ao redor do mundo. Ela está nos smartphones, nos sistemas de empresas, nas redes sociais, nos buscadores e até nos aplicativos de transporte. Porém, o que muitos desconhecem é que, para funcionar, a IA demanda uma infraestrutura física gigantesca — os chamados data centers, centros de processamento que armazenam e processam dados em escala global.
E é exatamente aí que mora um problema silencioso e pouco divulgado: o altíssimo consumo de água potável para manter esses servidores refrigerados e operando sem risco de superaquecimento. Esse é um custo ambiental que, embora seja invisível para o usuário final, gera impactos diretos na disponibilidade de água em diversas regiões do mundo.
Por que a IA precisa de tanta água?
Os data centers são locais que concentram milhares, às vezes milhões de servidores. Cada servidor é, basicamente, um supercomputador funcionando 24 horas por dia, 7 dias por semana. Durante seu funcionamento, eles geram uma enorme quantidade de calor. Para que esses equipamentos não superaqueçam e parem de funcionar (ou até peguem fogo), é necessário realizar um resfriamento constante.
Existem dois métodos principais de resfriamento:
Resfriamento a ar
Utiliza ventiladores e sistemas de ar-condicionado potentes.
Consome muita energia elétrica.
Resfriamento evaporativo (com água)
Utiliza água potável que, ao evaporar, retira o calor dos sistemas.
Mais barato do que o resfriamento totalmente elétrico, porém consome milhões de litros de água diariamente.
As empresas escolhem o sistema baseado na combinação de custo, eficiência e disponibilidade local de recursos. Em muitos casos, a opção mais barata acaba sendo recorrer à água.
De onde vem essa água?
Grande parte da água utilizada vem de fontes públicas, ou seja, água potável que poderia ser destinada ao consumo humano, agricultura ou indústria. Essa água passa por sistemas internos de refrigeração nos data centers e, na maior parte das vezes, é perdida por evaporação durante o processo.
Apesar de parte dessa água voltar ao ciclo hidrológico em forma de vapor, ela não retorna imediatamente para a mesma comunidade ou região que a forneceu. Isso significa que, em locais que já enfrentam escassez hídrica, esse consumo pode agravar ainda mais a situação.
Dados que impressionam e preocupam
Para você ter uma ideia:
Uma simples interação com uma IA — como uma busca no Google, um comando para a Alexa ou uma pergunta feita ao ChatGPT — consome entre 0,01 e 0,025 litros de água, apenas para resfriar os servidores que processam sua solicitação.
Parece pouco? Considere que o ChatGPT sozinho tem cerca de 400 milhões de usuários semanais. Se cada um fizer apenas uma pergunta por semana, isso representa mais de 4 milhões de litros de água por semana.
Agora, multiplique isso pelos bilhões de requisições processadas diariamente por sistemas como Google, Amazon, Microsoft, Meta e outros. O número salta para bilhões de litros de água por ano — o suficiente para abastecer milhares de cidades de médio porte no mundo.
O custo hídrico dos modelos de IA
O treinamento de modelos de IA é uma das etapas que mais consome água e energia.
Um exemplo:
O treinamento do modelo GPT‑3, da OpenAI, consumiu o equivalente a 700 mil litros de água potável — isso apenas para rodar os supercomputadores que processaram os dados durante semanas ou meses.
Estudos científicos já apontam que, até 2027, o consumo de água da indústria de IA pode chegar a 6,6 bilhões de metros cúbicos de água por ano, o que equivale a:
Toda a água consumida anualmente por países como a Dinamarca;
Metade do consumo anual do Reino Unido.
Casos alarmantes no mundo
Em regiões como Querétaro, no México, empresas como Amazon, Microsoft e Google instalaram data centers gigantescos. O problema é que Querétaro enfrenta escassez hídrica severa há anos. Resultado:
Moradores passaram a depender de caminhões-pipa;
Represas chegaram a níveis críticos;
Enquanto isso, os data centers continuam operando, consumindo milhões de litros de água potável por mês.
Situações semelhantes ocorrem em partes da Espanha, dos Estados Unidos (como na Califórnia), do Chile e até do Brasil.
E o Brasil, está preparado?
O Brasil é hoje o país que mais recebe investimentos em data centers na América Latina. A combinação de energia relativamente mais barata e legislação ambiental ainda pouco rigorosa torna o país um destino atrativo para gigantes da tecnologia.
O alerta é claro: sem políticas públicas que exijam transparência no consumo hídrico e ambiental, esses centros podem começar a gerar conflitos locais pelo uso da água, especialmente em regiões do Nordeste e Centro-Oeste, que já sofrem com seca e estiagem prolongada.
E o usuário, tem culpa?
De forma direta, não. Afinal, ninguém imagina que uma simples pergunta ao ChatGPT ou uma pesquisa no Google possa estar relacionada ao consumo de água potável. Mas, indiretamente, todos nós fazemos parte da equação.
Por isso, é importante cobrar responsabilidade das empresas e exigir:
Transparência nos relatórios ambientais;
Uso de tecnologias de resfriamento mais sustentáveis;
Investimento em reuso de água e fontes não potáveis;
Implantação de data centers em regiões com disponibilidade hídrica adequada.
Soluções estão sendo discutidas
Algumas alternativas já existem e podem reduzir drasticamente esse consumo:
Resfriamento por imersão em líquidos não condutores, que elimina a necessidade de água potável;
Uso de água de reuso, salobra ou reciclada, em vez de água potável;
Data centers submersos no oceano, projeto já testado pela Microsoft na Escócia;
Inteligência artificial verde, com algoritmos mais eficientes que consomem menos energia e, consequentemente, menos água.
Conclusão
O avanço da inteligência artificial é irreversível e, sem dúvida, traz benefícios incontáveis para a sociedade. Mas, como qualquer tecnologia, ela tem custos — e o custo hídrico talvez seja um dos mais invisíveis e urgentes.
Por trás de cada comando de voz, cada clique, cada pergunta respondida pela IA, existe uma estrutura física que, literalmente, bebe água potável em grandes quantidades para funcionar.
A pergunta que fica é: estamos dispostos a continuar alimentando esse modelo sem questionar os impactos que ele traz para o planeta?
A tecnologia precisa ser inteligente não apenas nas respostas, mas também no seu impacto ambiental.
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