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Cine Roma: o templo do rock fundado por Irmã Dulce

De palco sagrado à casa do rock baiano, a história do Cine Roma se mistura com a de Santa Dulce, Raul Seixas e uma geração encantada pela arte

03/07/2025 às 16h46 Atualizada em 03/07/2025 às 16h51
Por: MARCELO NOBRE Fonte: REDAÇÃO
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Foto: Reprodução Redes Sociais
Foto: Reprodução Redes Sociais

No coração da Cidade Baixa, em Salvador, existiu um lugar onde a fé, a cultura popular e a música se encontraram para marcar gerações: o Cine Teatro Roma. Fundado no final da década de 1940 — oficialmente em 1948, embora alguns registros indiquem 1949 —, o espaço foi idealizado por duas figuras emblemáticas: Irmã Dulce, que viria a se tornar Santa Dulce dos Pobres, e o frei Hildebrando Kruthaup.

A proposta inicial do Cine Roma era ousada para a época: ser um instrumento de evangelização através da arte, em especial por meio do cinema. Mas também visava arrecadar fundos para obras sociais da Igreja Católica. Mais do que um simples cinema, o local tornou-se um verdadeiro centro cultural multifuncional.

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Com arquitetura em estilo art déco, o Cine Roma possuía uma impressionante capacidade para 1.850 pessoas. Era o maior e mais prestigiado espaço cultural da Cidade Baixa e atraía moradores não apenas da região, mas de diversos bairros de Salvador. Nos fins de semana, era ponto de encontro de famílias inteiras e de grupos de jovens sedentos por cultura e lazer.

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O palco de Irmã Dulce e o som do acordeão

Não era raro encontrar Irmã Dulce se apresentando no palco do Cine Roma. Sim, a futura santa empunhava seu acordeão — também chamado de acordeão — para tocar canções, especialmente do mestre Luiz Gonzaga, o eterno Rei do Baião. Emocionava o público ao lado do coral das crianças do Círculo Operário da Bahia, instituição social que funcionava no mesmo local.

Do cinema à música: o berço do rock baiano

Com o tempo, o Cine Roma foi se reinventando. De espaço litúrgico e familiar, passou a ser conhecido como o "Templo do Rock" nos anos 60 e 70. Isso se deve, principalmente, ao nascimento de um dos maiores ícones da música brasileira naquele palco: Raul Seixas. Foi lá que Raul se apresentou com sua banda Raulzito e os Panteras, nos primeiros passos rumo à fama nacional. O local virou símbolo da juventude contestadora e da explosão cultural que tomava conta do país.

Grandes nomes e momentos marcantes

Além de Raul Seixas, o Cine Roma recebeu artistas consagrados da música brasileira. Por ali passaram Roberto Carlos, Jerry Adriani, Waldick Soriano, Wanderléa, Renato e Seus Blue Caps, Angela Maria, Cauby Peixoto, Quarteto em Cy, Emilinha Borba, entre tantos outros. Um episódio curioso aconteceu em 1965, quando Roberto Carlos teve que transferir seu show do Ginásio Antônio Balbino (o Balbininho) para o Cine Roma por causa de uma queda de energia durante o evento do Miss Bahia. O Cine Roma salvou a noite e entrou de vez para a história da Jovem Guarda em Salvador.

Uma programação diversificada e marcante

O Cine Roma nunca se limitou a um único tipo de evento. Sua programação era plural: exibição de filmes religiosos, nacionais e estrangeiros; shows musicais; concursos de beleza; espetáculos de dança e teatro; festivais estudantis e atividades do Círculo Operário da Bahia. O primeiro filme exibido foi o italiano "Diabo Branco", seguido de "Cordas Mágicas". Clássicos como "A Paixão de Cristo" e "Marcelino, Pão e Vinho" emocionaram multidões e ficaram marcados na memória da cidade.

Durante décadas, o Cine Roma foi sinônimo de cultura acessível, de pertencimento e de identidade para uma cidade que pulsava arte por todos os lados.

O renascimento como templo de fé

Com o passar do tempo e a decadência das grandes salas de cinema, o Cine Roma fechou as portas como casa de espetáculos. Contudo, o espaço foi reformado e transformado na Igreja da Imaculada Mãe de Deus e no Santuário Dulce dos Pobres, mantendo viva a ligação com sua fundadora, agora canonizada como santa. A fachada art déco foi preservada e o local continua sendo espaço de encontro e espiritualidade.

Memória preservada por quem vive história

O historiador, professor e escritor Adson Brito do Velho tem desempenhado um papel fundamental na preservação dessas memórias. Autor dos livros "Salvador tem muitas histórias" e "Quem tem medo da Mulher de Roxo?", Adson compartilha histórias fascinantes sobre Salvador e seus personagens, trazendo à tona episódios pouco conhecidos do passado baiano.

Para conhecer mais sobre sua pesquisa e acompanhar curiosidades da história da Bahia, siga-o nas redes sociais:

Quem frequentou o Cine Roma sabe: não era apenas um prédio com uma tela ou um palco. Era um símbolo. Uma ponte entre o sagrado e o profano, entre a fé e a rebeldia, entre a tradição e a ousadia. Uma herança cultural que Salvador jamais esquecerá.

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